Uma manhã no Linhó

Tendo conseguido mais uma cliente, fui conversar melhor com ela ao estabelecimento prisional. A Verónica tinha 28 anos, um companheiro mas não tinha filhos. Estava acusada de dois acrimes de roubo e confessou-se profundamente arrependida. “Foi a droga, desgraçou-me” – lamentou-se Verónica, enquanto limpava as lágrimas de uma dor sincera. “quando sair daqui…só quero endireitar a minha vida”.

Fitei-a um pouco desconcertada. É que a Verónica era um preto musculado chamado Vítor, com quase dois metros e só com um dente da frente. Usava um toutiço repuxado no meio duma cabeça feia e pintava as beiças de carmim. Usava ainda um top preto decotado (com as alcinhas brancas do soutien propositadamente à mostra), não obstante a ausência absoluta e confrangedora de quaisquer mamas. As calças eram brancas,daquelas de gingar na capoeira, num elastano fininho que deixava transparecer o montinho dos testículos e uma pichota pouco envergonhada.

“Isto não é vida para ninguém..” – repetiu laconicamente Verónica, enquanto eu tentava desviar as vistas daquele único dente que o angolano tinha na gengiva de cima. “Claro Verónica, isto não é vida”. Tradução: se queres ser uns transsexual decente arranja os dentes da frente e não uses calças justas enquanto tiveres pila de africano.

Não sei o que assustou mais o empregado da loja roubada, se a ordem para meter os 900 euros no saco, se a mão do homem que empunhava o revólver ter as unhas pintadas de rosa fushia com uns cristaizinhos embutidos. Espero que o seguro dele cubra o stress pós-traumático.

Partilha-me toda, eu gosto

20 comentários em “Uma manhã no Linhó

  1. Susana, deixa-me dizer-te que adoro a tua escrita, e a tua descrição dos episódios que vais vivendo. eu e a minha colega de trabalho tamos sempre atentas, e quando surge um novo post, vamos logo ver e fartamo-nos de rir.
    simplesmente excelente, pena não escreveres mais.
    Parabens, espero que estejas bem, Sónia (S. Brás)

  2. Olha que realmente é preciso ser uma profissional muito empenhada para não desabares num riso histérico perante tal imagem…

    Nada contra transsexuais… nada a favor também!

    Olha, e o teu seguro cobre o trauma, ou não és moça que se deixe intimidar com estas coisas?

  3. Deve ser a pensar em Verónicas das nossas prisões que as prisões portuguesas vão passar a permitir “encontros íntimos” com os companheiros dos reclusos homossexuais. Cf. Correio da Manhã de hoje.

  4. Ser transsexual não é nada comparado com o ser feio.

    Tenho um amigo que diz:
    “Ser pobre é mau, mas pode passar… agora ser feio… não passa nunca.”

    Mas eu digo-lhe:
    “Até a beleza se pode comprar… vale tudo, menos ser pobre!”

    Como dizia um certo brasileiro na TV:
    “Odeio pobre!”

    A pobreza é como a sarna, nunca mais nos larga.
    Eu que o diga!!!

  5. Há uma relação implícita deste post com o anterior, ou seja, a verónica era capaz de ser a solução para o assunto do post anterior;-)

  6. Não liguem ao que ela diz. Ela trabalha na 5-à-Sec mas põe-se com estas histórias para fingir que tem uma vida muito interessante.

    Ai essa tara por (pseudo) transsexuais…

  7. Desde que conheci a minha 1ª transsexual nunca mais fui a mesma, confesso. Ela tem tudo o que não tenho, à excepção de ombros largos e a final de contas, liberdade. De resto, é o fascínio.

  8. Com todos os atributos que descreveste, queres mesmo acreditar que aquele que te custava deixar de fixar era o dentinho? Jove, estás entre amigos…

  9. LOL …esperemos que no Linhó a Verónica… uhmmm… o Vitor não tenha acesso à net e que principalmente não seja fã (como nos todos somos) do teu blog LOL …confesso que já me tinha esquecido de how fucking twisted your mind is… e isto é um elogio 🙂 *

  10. Se eu tivesse liberdade
    Não sofria de saudade,
    Se eu tivesse liberdade
    Amava toda, a realidade.

    Como não há liberdade
    Já não sei tua verdade
    Doce prisão, amarga saudade
    E muito pouca objectividade.

  11. Sem ti não sei, qual o objectivo
    Pois penso que ando perdido
    Mas espero te encontrar
    Para um dia saber amar.

    Eu não amo, eu não sinto
    Não penso em nada, não pressinto
    Mas guardo no meu coração
    Os teus lábios…, que sensação!

    Estou muito preocupado
    Qual vai ser o resultado?
    Já não sei que decidir
    Espero aqui, com bom ouvir.

    Preocupação por não saber
    Que estás bem, eu quero saber.
    Dificuldade em dialogar
    Por ter medo, de não te apanhar.

  12. Eu quero telefonar
    Mas tremo ao marcar
    Confiança é coisa pouca
    Minha cabeça sente-se oca.

    Voltei a escrever
    Para me entender e perceber
    Se o meu amor é real
    O que sinto por ti é abismal.

    E no abismo eu estou
    E daqui eu quero sair
    Tenho vergonha, do que passou
    Não acreditei, que podia ir.

    Ir e ficar
    Entrando em teu olhar
    Ir para amar
    E no teu peito repousar.

    É dificil me concentrar
    Parar, sentir e meditar
    Sinto apenas que não te mereço
    Que não fiz eu? Porque não esqueço?

    Para mim, ontem aconteceu
    Fiz tudo mal, não se viveu
    Mas deviamos ter vivido
    Namorando, no tempo apetecido.

  13. LOL! Com todo o respeito pela senhora, mas que risota. Escreves muito bem, e o post, seguindo a mesma linha de raciocínio, está excdelente. =)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

Artigos relacionados

Digite acima o seu termo de pesquisa e prima Enter para pesquisar. Prima ESC para cancelar.

Voltar ao topo