Hoje o meu marido Pedro faz 42 anos. Diz que eu sou a 5.ª filha dele, como negar?
Sou mesmo uma frescura.
Foi há 2 anos, quando ele fez 40 anos, que eu fiz-lhe uma festa surpresa num espaço muito aprazível: o antigo bar da Belle Dominique (que tem ideias bestiais, quem é?). Então Pedro sobe para cima do palco do bar, rodeado pelos amigos mais próximos e alguma família, todos sentadinhos numa plateia de amorosas cadeiras de madeira, tipo escola-primária,
Dá um grande suspiro, agradece a presença de todos e começa um discurso que desperta a particular atenção da plateia.
Ele pigarreia e diz que espera que – “esta tenha sido a primeira metade da minha vida” (fiz uma apressada operação mental e assenti, viver 80 anos parece-me bastante razoável).
Havia um certo remexer nas cadeiras, provavelmente pela utilização de palavras como: “falecer”, “meio da vida“, “gerações vindouras” e “cromado em forno de lenha”.
Basicamente, começa por dizer que está grato pela vida que tem. Que não poderia desejar mais. Que se sente grato pelo seu dia-a-dia, que é muito importante viver o presente, feliz com o que se tem.
Continuo a fitá-lo com tamanho amor, tal como a minha cadela Yupi me mirava quando eu lhe descascava uma maçã e lhe dava à boca (com aqueles dentinhos tão branquinhos e hálito tão quentinho, que fofura Meu Deus), coisa que hoje NÃO FAÇO NEM AOS MEUS FILHOS! Eu lá tenho tempo para descascar frutas, a vitamina está é na casca.
E de repente, a voz dele embarga-se. Quer dedicar uma palavra especial à pessoa que o tem acompanhado nestes anos. E que espera que o acompanhe até ao fim da vida: idosos, felizes com a prole. Juntos numa vida preenchida de boas memórias. Quem me conhece sabe que esta desenvoltura toda que aparento esconde, na realidade, a minha brutal timidez. Por isso, quando ele diz isto, sinto uma dor de barriga, e a última coisa que quero fazer é ir para cima do palco. Tenho os intestinos revolvidos.
Começo a escorregar discretamente na cadeira, da maneira mais elegante que uma pessoa que está a recuperar de uma gravidez de 30 kg pode escorregar, que é: zero. Na realidade, não escorrego: descaio em solavancos, enquanto a Tininha me dá cotoveladas de emoção.
E eis quando o Pedro profere, com grande honorabilidade:
“Esta pessoa faz parte de mim. Ela é metade de mim. Esta pessoa…é o meu IRMÃO”.
?????
OPÁ , QUÉSTA MERDA?! OLHA PIÇA PARA TI, OK?!!!!
As pessoas louvam, grande alvoroço. Enquanto aplaudem, os meus amigos olham também para mim, em risota contida, enquanto eu estou agonizante, a debater-me pela vida para subir outra vez na cadeira.
No fim da noite, perguntei discretamente se, por acaso, reflectindo melhor, para ele não existiria um ex-aequo entre o irmão e eu. Não. O irmão está com ele desde o dia zero da sua existência.
Credo, isto é que juntar doutrina filosófica com teoria científica. Que mestria notável. (Sou muito competitiva, mas não posso alterar o facto de ser uma não-nascitura no ano de 1978).
Senti-me assim: