O meu amigo José

Hoje vou falar-vos de uma pessoa muito importante na minha vida. É um grande amigo meu, que, à minha semelhança, e apesar de grandes falhas nas sinapses nervosas, tem qualidades inigualáveis.
 
 Quem já leu o blogue recordar-se-á do José, o meu colega ADVOGADO CEGO, e com o qual já vivi aventuras que não fosse eu uma GAJA e ele NÃO VER UM CU, seríamos tal e qual o Tom Sawyer e o Huckevberry Finn – (ele o heróico e divertido Sawyer, eu sua fiel seguidora das barracas Finn).
 
Atentem, por favor. O meu amigo Entusiasta, Optimista é:
 
CEGO – não é zarolho – é mesmo cego profundo; não tem olfacto porque tem uns pólipos gigantescos no nariz, tem asma, sinusite; é diabético, tem
distúrbios de filtrações dos rins, não pode comer muitas proteínas, DOCES PROIBIDOS PARA O RESTO DA VIDA.
 
Mas, a vida, para ele, é um ENORME PAGODE! Costuma é lamentar-se de não ter mais dinheiro para consumir pornografia naqueles computadores com monitores com relevo, mas nada que ele não ultrapasse com outros expedientes.
*Lembrei-me agora que um dia ele foi convidado para ser presidente de uma grande instituição de “invisuais e amblíopes”. Não aceitou: “Eu?!Deus me livre! Aquilo é tudo uma CAMBADA DE CEGUETAS!” benzeu-se ele, ateísta convicto.
 
Estivemos hoje ao telefone a recordar algumas histórias do blogue. (O José, por fazer parte daquele grupo que se apaga num estalar de dedos caso o vírus o apanhe, está altamente barricado em casa e, infelizmente, é um infortunado não pode propriamente ver NETFLIX. )
 
Relembrámos com saudade a  História não-profissional mas que invarialmente mete ladrões” :http://computedlife.com/salsicha/2010/01/historia-nao-profissional-mas-que.html
Resumo básico: Era uma vez um ladrão filho da puta que estroncou a fechadura do meu veículo e furtou o computador do José, que estava brilhantemente escondido sabe Deus aonde, ele não tem propriamente muita noção de espaço e senso direccional e eu escudo-me no meu deficit de atenção.
 
Pormenor: Isto foi na R. Gomes Freire, literalmente EM FRENTE AO PORTÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA! Há ladrões cá com uma afoiteza, que eu e José até ficámos tristes por não termos tido oportunidade de o conhecer.
Já na porta de casa dele, o José larga-se a rir. O computador furtado estava num estado já pré-depressivo e valia uns 300€. Mas, no meu carro, tinha estado camuflado um item muito mais valioso: a sua BENGALA FALANTE E VIBRATÓRIA, com 2 meses de uso e com o preço base de 2500€!!
Eu já tinha reparado na sua bengala topo de gama (digamos que pais de José são como os pobrezinhos da Comporta, mas mais educados e inteligentes), que vibrava quando se aproximava de obstáculos (nada de muito ostensivo). 
O que eu não sabia é que, caso vibrasse, ele tinha a opção do suporte áudio, a fim de verbalizar que impedimentos se avizinhavam (frases feitas de uma base de dados, ditadas por uma voz feminina brasileira). Fiquei maravilhada porque nunca me tinha apercebido do áudio; perguntei por que não o usava.
“Sabes lá o que eu passo com esta gaja” – desabafou.  “Brasileiras…”
Conta-me tudo”.
“Começa a falar naquela voz de piroca: mais para baixo, mais para o lado, avance, para cima e eu … GRANDE ERECÇÃO no meio do metro de Picoas! Não dá pá!”.
 
Muito bom! E assim se esventram 2.500€ porque a Voz, para um cego, é praticamente tudo.
 
Hoje ao telefone:
 – Então como estás ?
 – Óptimo! A dar brilho à minha medalha!
  – Hum… conotação sexual?
 – Nada. Zero. Estou literalmente a limpar a minha medalha de ouro com um paninho de flanela e pasta de dentes.
 – Choca-me…
 – Nunca te disse que uma vez ganhei um campeonato de judo lá no S. João de Brito?
– Judo?! Ganhaste ? E ele também era cego?
– Não, não era cego mas era ESTÚPIDO! Enganou-se nas horas. Ganhei por falta de comparência. Fiz uma festa naquele dia! Minha rica medalha!
Oiço-o aplaudir e beijocar qualquer coisa do outro lado de telefone.
E por falar no S. João de Brito, lembrei-me de outra história que ele me contou.
O José, líder nato para a cretinice própria da adolescência, era alvo de severos ralhetes por parte de um tal Padre Gaspar, eclesiástico elegante, paramentado com lindas batinas e estolas ao pescoço.
 
 Ele, nada podia fazer. Na realidade, enquanto presidente da associação de estudantes até tinha um especial dever de zelo, o que muito contrariava a sua natureza de pandegueiro.  Mas congeminou um plano.
Pediu de joelhos aos progenitores que fossem a um canil e adoptassem o cão mais feio, mais famélico, mais pulguento e enrodilhado em moscas que lá existisse. Os pais, que anos antes até tinham sugerido a compra de um cão bem ensinado, mas que José, educadamente, declinou – porque o
que ele queria mesmo era um ALCE (!), acharam peregrina a ideia do canídeo ranhoso, mas sempre era melhor que nada.
E assim, lá chegou à metrópole, assustado de morte, o cão mais feio de sempre resgatado do canil de Pedrógão Grande. À chegada, foi presenteado com uma linda placa. “GASPAR” lia-se, em letras garrafais. José mandou ampliar a foto, desenhou-lhe uma espécie de uma estola, e colou-a carinhosamente no seu cacifo. Padre Gaspar ROSNOU FEIO!
 
 
Um gigantesco abraço ao meu afectuoso José, que mesmo nas alturas mais sombrias, me obriga sempre a ver o copo meio cheio. De absinto alucinógeno.
Padre Gaspar contemplando a sua foto no cacifo e amaldiçoando o dia em que aceitou a candidatura no Colégio S. João de Brito do ceguinho fofinho e sobredotado. 

 

Partilha-me toda, eu gosto

4 comentários em “O meu amigo José

  1. Valha.nos a boa disposição e o refinado bom humor em tempos de Pandemia. Li e, de vez em quando, não pude deixar de sorrir.

    Cumprimentos poéticos

  2. :)) segui o link e voltei, já me levaram um espelho do carro mas felizmente nunca me assaltaram o carro ou levaram algo valioso dele, e não tive sentido de humor quando foi do espelho 🙂

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