Nem dou título

O meu filho teve recentemente uma fissurinha no rabo, o que proporcionou longas horas de cumplicidade Mãe e Filho na casa de banho.
 
Era ele no trono lavado em lágrimas, e eu nochão no frio, sentada em cima das pernas, também em lágrimas, com um formigueiro desgraçado a consumir-me o músculo tibial. Conversávamos muito, e acabámos por chegar à parte em que ele tinha trazido no domingo anterior, de
casa de uma amiguinha, uma linda TIARA.
 
Sim, a criança, agarrou-se à tiara da miúda e colocou-a delicadamente na própria cabeça rapada com gel . Olhou-se ao espelho e deve ter adorado o que viu, porque não só a levou para casa (a proprietária ficou tão admirada que não se importou que ele a subtraísse), como quis dormir com ela!
 
Tudo bem. Sem stress
(
mentira, escândalo).
 
Nesses  longos simpósios na casa de banho, esclareceu-me que um dia ia ter um bebé na barriga. Expliquei que apenas as meninas poderiam ter bebés.

Olhou-me condescendente e repetiu: “Não, EU vou ter um BEBÉ na minha barriga, eu gosto muito de BEBÉS“, e ajeitou majestosamente a sua tiara na cabeça rapada.
 
Ok. Sem stress.(mentira, surto de hiperventilação)
 
Nesta última sexta-feira, dia em que, aparentemente, a sua condição clínica melhorou, mas em que tivemos mais um colóquio de 1 hora na sanita, falámos sobre tudo. Sobre como era bom ir à terra da avó apanhar limões, como era giro calçar as galochas e ir à fazenda, depois ele confidenciou-me:
 
– “Mamã, sabes o que vou ser quando for grande?”
 
Olhei para a tiara cravejada de pedras preciosas, para a perninha cruzada de uma forma encantadora, nem que eu treinasse uma vida, ficaria sempre a anos luz de tanta elegância e distinção a defecar.
 
-” Queres ser…. bailarina é isso? Diz à mãe, é bailarina?  – estava consumida, o meu instinto de mãe dizia-me que era bailarina.
 
-” Não mamã. Quero ser Professora” .
 
“Professor? Que giro, que profissão tão
bonita! “
 
-“Não mamã, quero ser PROFESSORA”-  corrigiu-me, sem perder o porte altivo e sempre de coluna vertebral erecta.
 
 Chamei o Pedro, tivemos uma conversa franca: Pedro, se o miúdo for GAY, só tenho este filho e acaba-se aqui a minha linhagem e quando eu falecer Susana desaparecerá para todo o sempre nesta vida terrena e não sobrará uma única micro-célula genética para me perpetuar! Nem uma merdinha de um protozoário com o meu DNA inscrito para recomeçar qualquer coisa que se assemelhe a mim !!!!!
 
Não acho bem, acho até muito mal!”
 
– “Achas que podemos tentar agora o 2.º filho ? (Bater de pestanas duplo)
 
Pedro, sintético:  “Agora não. E se for ratão pode ter um filho na mesma. Mas aí é que a fissurinha vai dar problemas a sério. Nem quero pensar no estado desse rabo”.
 
Poça, que capacidade de síntese.
 
 
Partilha-me toda, eu gosto

9 comentários em “Nem dou título

  1. Deixe lá, antes gay, feliz e boa pessoa do que hetero, infeliz e um sacana. 🙂
    Gosto bastante do blogue, podia escrever mais frequentemente! Por favor 🙂

  2. adoro o blog! parabéns, isto é sempre uma animação haha. quanto ao miúdo, não há problema nenhum ser gay neste século. que seja feliz 🙂

  3. Acho uma ternura o teu filho (ainda) não ter sido "contaminado" com as ideias da sociedade acerca do que os meninos(as) podem ou não podem fazer. Que essa inocência permaneça mais uns tempos. E parabéns pelos "simpósios", espero que possam continuar a ter sessões de conversa semelhantes (embora noutras circunstâncias), para que o teu filho (gay ou não) possa continuar a fazer-te confidências 🙂

  4. Obrigada, que pessoas simpáticas! Sim, quero que seja feliz, mas hetero ser-lhe-á bem mais fácil, infelizmente.

    Mas ele só tem 4 anos, ainda tenho 7 anos para que ele me confidencie se beijou gajo ou gaja!!

  5. Oh pá tão bom!! Nunca a tinha lido mas adorei! Adorava lembrar-me assim de todas as coisas que as minha me dizem (a bem dizer, a maior parte entra a 100 e sai a 200).

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