Tenho que contar esta história de foro profissional com alguma cautela (e quem me conhece sabe que cautela é uma palavra ulcerosa que me consome por dentro).
Existem várias delegações da PJ por este país fora. Esta história decorre numa delas. Chamar-lhe-ei “Polícia Judiciária das Berlengas”.
Fui contactada por um cliente recorrente, daqueles que só se mete em problemas e do mais diferenciado que existe, se não é do cu é das calças, m fascínio.
– “Que é que foi?”
“- Ah e tal, rusgas em casa…armas…bla bla bla eu não fiz nada; Mas
eu tenho muito medo”.
eu tenho muito medo”.
Adoro esta honestidade intelectual. Fui ter com ele, lá numas moitas escondidas do bairro. Pedi esclarecimentos exactos. Voltou a falar em armas, mostrou-me o mandado de busca que o pai lhe tinha enviado pelo WhatsApp (furibundo, ofereceu-lhe até uma sova) e afiançou-me que isto era um equívoco, que não era nada com ele.
Li o mandado e as considerações que o juiz tinha tecido. Efectivamente a palavra “armas” estava lá escrita, mas nada de muito alarmante. “Isso é uma uma rixa, bla bla bla e eu não tenho nada a ver com isso”.
Explicou-me onde estava no dia daquela ocorrência. Olhos nos olhos. Posso ser uma idiota e achar que se podem panar bifes do lombo, mas EU SEI LER a cara de um inocente.
Precisava de dinheiro, e só o justificaria com uma deslocação à Polícia Judiciária. Somei prós e contras, avaliei sumariamente a possibilidade de ele ficar realmente preso, ou ser apenas constituído arguido, reli aquele mandado de busca tão clean, super ligeiro e boa onda e decido avançar.
– Vamos à PJ, peça dinheiro ao seu pai.
– ARGHHHHHH não quero, que medo. (Fiquei na dúvida se medo seria ir à PJ ou aos bolsos do pai, calculei com fosse um misto dos dois).
Dinheirinho no soutien, e lá fomos nós bater à porta desta PJ. Aparece o Sr. Inspector do processo – chamar-lhe-ei Sr. Inspector Cara de Cu à Paisana (CCP), para salvaguardar identidades, embora mais de 2/3 se encaixe nesta categoria.
Quando pus o meu pé dentro daquela sala, vi logo que estavam reunidas todas as condições para aquilo dar MERDA DA GROSSA.
Na sala estavam vários inspectores, homens e mulheres, que trocaram uns olhares entre si, senti imediatamente ondas hertzianas estranhíssimas. Uma espécie de hostilidade mal direccionada.
Fomos conduzidos para a mesa mais distante da
porta. Oiço do outro lado da sala: “Ó CCP, já informaste o Chefe?”
porta. Oiço do outro lado da sala: “Ó CCP, já informaste o Chefe?”
“Já” – CCP sorriu.
E eu pensei: “ JÁ FOSTE. Susana, sua jumenta”.
Foram-lhe comunicados em voz clara e bem audível, todos os factos de que era suspeito. Cada frase que eu ouvia, a minha tensão arterial subia.
O Insp CCP começa a desfiar o rol de armas envolvidas: caçadeiras de canos serrados, espadas, catanas, sabres e baionetas. E percebo que havia uma vítima mortal a lamentar.
Eu tinha a certeza que o burro do meucliente era, apesar de tudo, inocente (embora não pareça à luz da factualidade apontada). Mas muito burro, NUNCA SE MENTE AO ADVOGADO! DEIXEM AS MENTIRAS PARA NÓS!!
Enquanto ouvia os factos – para os quais não estava definitiva e psicologicamente preparada, e com as risotas de hienas dos PJ atrás de mim, senti-me uma bruxa a ser queimada em praça pública. A advogada estúpida que conduziu directamente o seu cliente para o calaboiço.
O Inspector CCP, num tom meio disfarçado de gáudio com ilusória seriedade (nem devia estar a acreditar na sorte naquele dia), pede-me que o acompanhemos até lá “abaixo”.
O cliente vai ainda sem algemas. Começo a tentar visualizar escapatórias possíveis, mas o gajo tem excesso de peso enfim, um pesadelo. O cliente/pré-recluso entra numa sala, supostamente para fazer o cliché fotográfico e eu fico cá fora, toda lixada da vida.
Depois,
O ACONTECIMENTO DO ANO: O cliente sai, e SAI EM LIBERDADE! Embora em profundo choque, recomponho-me como quem nunca equacionou outra hipótese, dou umas boas tardes ríspidas ao Cara de Cu à Paisana, enquanto o olhar dele soletra-me claramente: “é uma questão de TEMPO”.
No dia seguinte, choque outra vez: Insp CCP telefona-me. “Aparentemente” as fotografias tinham ficado “mal tiradas”. Pergunta-me se podemos lá ir, ainda durante a parte da manhã. MERDA PARA ISTO TUDO, qualquer dia dá-me um treco. Disse que ia falar com o cliente .
Aconselhei-me com vários advogados da velha guarda. “Não o podem prender nessas circunstâncias” asseguram-me. Vai. Não é certamente para nenhuma fotografia, mas vai e tenta perceber o que é que ele quer” – incentiva-me um colega.
E lá fui eu e o cliente pré-obeso. Voltamos às masmorras cá em baixo. Levam o homem não sei para onde e aparece o Insp. CCP. Seriedade SINISTRA. Preparo-me para o embate.
– Sim, Sr. Insp. CCP?
– SEI DE UMA COISA – diz-me ele.
Estou numa situação de areias movediças, mas ao menos este PJ faz tudo à tromba estendida e eu respeito bastante a frontalidade.
Cruzei os braços e encarei-o de frente. Aguardei pelas exigências (a chantagem até poderia ser benéfica para todos os envolvidos, prejudicando-se eventualmente um terceiro, era uma questão de sopesar interesses).
O olhar dele endureceu.
– E É SOBRE SI.
Gelei. Ahhhhh cum c…, eu sabia que ainda ia sobrar para mim! Merda para a minha quota-parte de delinquente!
Silêncio.
– “OPÁ !DESCOBRI O SALSICHA!!! SOU FÃ!! ADOREI, ADOREI!!!Desde ontem que já li quase tudo para trás! Não consegui parar! Adorei! Grande escrita, parabéns! Sou fã!”!
Só faltou um unicórnio protésico descer do tecto e cantar em falsete. Eu estava profundamente chocada.
A transformação dele foi absolutamente surpreendente. Já não estava em modo de mono/autoridade mas sim de adorável diabrete.
“Tive que a pesquisar na internet porque não tinha o seu número. Encontrei este Salsicha…espectáculo… já não me ria assim há já muitos anos”. “Por favor, escreva mais”.
A tremer de susto, e ainda sob reacção aguda do stress, agradeci os elogios perturbantes. O cliente repetiu efectivamente as fotografias e saí com ele para a rua. O sol brilhava, os pássaros chilreavam, o mundo tinha cores vivas.
“Isto há dias do car..” – pensei eu.
E no dia 22 de Fevereiro, pela primeira vez neste ano de 2020, voltei a escrever. Obrigada a quem me lê e,
muito especialmente, ao Senhor Inspector ex CARA DE
CU.
CU.
Obviamente vou re-denominá-lo, embora possa levar algum tempo: tenho muita imaginação mas nunca apelidei amavelmente um polícia em toda a minha vida. Saí oficialmente da minha zona de conforto. E com muito gosto.
Partilha-me toda, eu gosto
Que incrível encontrar um fã assim, com sentido de humor e porque este fã tem sentido de humor e levou a que aparecesse um novo post fico fã dele!
Redondinha, só tu é que andas aqui! O resto da malta é toda facebookiana…
Já tinha saudades de ler comentários no blogue e depois NÃO retribuir a resposta porque via no tlm e não dava jeito nenhum!
Estou num computador, yupiii!!
Uau! Eu a achar que estava desativado e afinal regressaste no dia do meu aniversário! Excelente prenda!
Olá Ana Raquel, fico feliz por teres gostado do meu presente!!Parabéns