Criminalidade violenta

Hoje encontrei um amigo meu comboio.
Cabisbaixo e taciturno, entretém-se com a biqueira do sapato, enquanto esfrega as mãos inquietas e me explica que lhe assaltaram a casa no dia anterior.

“A sério? Que horror!” – pronuncio-me eu, acometida de uma pena tremenda deste jovem que labuta diariamente para ter qualquer coisinha de seu e de um momento para o outro se vê despojado do seu espólio.

“E que levaram?” – pergunto.

Ele soergue o olhar dorido, fita-me com os olhos baços e mortiços e oiço numa voz sumida:

“Nada. Não me levaram nada” – e centra-se na linha do horizonte, mordendo o lábio num esforço contido, infrutífero contudo, pois vislumbro duas grossas lágrimas naquele amigo de uma vida.

“Nada? Mas isso é bom!” – alegro-me

Fita-me novamente, a cólera assoma-se-lhe num ápice:

“AI É? GOSTAVAS DE TER UMA CASA REPLETA DE CENAS FIXES E FOSSE LÁ UM GATUNO RANHOSO E VASCULHASSE CADA CANTO, CADA PRATELEIRA, CADA MÓVEL, CADA GAVETA DAS CUECAS, CADA BAÚ E NÃO QUISESSE NEM UMA MERDA QUE FOSSE? NEM A TELEVISÃO, NEM O DVD, NEM A PLAYSTATION? GOSTAVAS? QUEM É QUE ELE JULGA QUE ELE É ? E A VERGONHA QUE PASSEI QUANDO O POLÍCIA LÁ FOI E ME DISSE SER COMPLETAMENTE INÉDITO NA HISTÓRIA DA LINHA DE SINTRA ALGUÉM TER ASSALTADO UMA CASA E NÃO SE TER DADO AO TRABALHO DE ROUBAR UMA COLHER DE PAU QUE FOSSE? GOSTAVAS?”

Abraço-o ternamente e aceno com a cabeça.
Já não basta sermos a geração recibos verdes e sermos pobres como Job e ainda confrontados com ladrões profundamente não-éticos que nos espetam com a cruel verdade pelos olhos adentro.

A partir de hoje só terei a certeza que estou bem sucedida na vida quando me furtarem, no mínimo dos mínimos e sem qualquer concessão um valor base de € 1200.

Senhor ladrão da linha de Sintra, pense duas vezes antes de partir um coração desta maneira.Se algum dia por uma ideia iluminada se lembrar de assaltar o meu lar, tenha uma réstia de vergonha e faça de conta que vibrou louca e economicamente com a minha colecção de t-shirts do Snoopy. Ou brincos de pechisbeque.
Mas não me submeta a tamanha crueldade.

Partilha-me toda, eu gosto

16 comentários em “Criminalidade violenta

  1. Faço uma pausa na minha compenetração e venho “Salsichar-me”…

    Impressionante…
    Nem sei que parte me provocou mais emoção…se o assaltado não roubado, se a tua “approach” displicente e qs, qs a roçar o trocista da pobra alma, avassalada,mas não pilhada…

    Ainda assim, priceless o que escreveste…

    Outrora dizia-se…”Tanto tens, tanto vales”…hoje…”Qt mais te roubarem, mais tu vales”…

    Que mundo triste este…!
    Eu por cá, não quero ser assaltado, mas solidarizo-me com o facto do teu amigo ter icado violentado com a invasão pessoal…isso a mim deixa-me louco….(mais!)

  2. Pois… Assaltarem a casa já é mau e ainda por cima gozarem com as pessoas e não levarem nada, como que a dizer:
    -Pfff! Este ainda é mais pobre que eu!
    Não se faz… Realmente, não se faz…

  3. Da próxima levam-lhe um rim. É vê-lo no dia seguinte a gabar-se no comboio:

    – Susana! Roubaram-me um rim! Não é fantástico? Tenho genes tão bons que o ladrão nem se importou de sujar as mãos na minha urina!
    E tu? Ainda tens os dois? Lamento. Vais ver que um dia acordas com uma cicatriz toda janota. Tu és boa moça. Vais ver que é uma questão de tempo.

  4. ufa… acho que só vou gastar dinheiro na fechadura ou num vidro da janela!
    apresentar queixa? nãããã…
    não gosto de passar vergonhas!

  5. Portanto, assaltaram-me a casa no mês passado e levaram algumas coisas. Tenho de me dar por contente, certo? Ena, ena! 🙂 Pelo menos já não passo vergonhas!

  6. isto fez-me lembrar em tempos quando assaltaram o carro da minha irmã e vasculharam todos os CDs mas não levaram nem 1!! ela ficou completamente de rastos com a crítica musical feita pelo larápio! lol

  7. Pois bem……….
    Não tenho nenhum problema em admitir que tentaram roubar-me o telemóvel e quando viram o “tijolo” que ainda uso, não o quizeram.
    Vergonha? Não, felicidade! Ainda hoje tenho o telemóvel, e ando com ele.
    Prefiro ter coisas que, embora possam ter pouco valor, tenho a certeza que ninguém se apropria delas!!!! E, por incrivel que vos pareça, sinto-me muito feliz como isso…

    Como diz a salsicha girl: A esquizofrenia não é necessariamente má!

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