Chéquia: PARTE I

 
 
 
O meu irmão foi pai, em Janeiro de 2020. Sim, choque. Para quem foi acompanhando o blogue, eu sei … ele era apenas uma criança estúpida presa no corpo de um rapaz feio, mas realmente cresceu e já tem 35 anos. Há uns anos enamorou-se de uma checa, foi viver para aquele país que, aos olhos dele, é simplesmente soberbo. Adiante.
 
Eu e os meus pais marcámos viagem para Viena, aeroporto equidistante do de Praga, mas mais económico. Com relutância, lá marco para 3 dias após a data prevista para o parto. Por mim teria ido logo às 38 semanas, para a apanhar ainda grávida que nem um pote e assistir a tudo desde o início, com um baldezinho médio de pipocas.
 
O voo era às 7h30 da manhã, por isso na noite anterior vou para casa dos meus pais. Ahh que bom regressar ao meu antigo quarto, longe de casa, sem
guerras para mediar e casas de banho para inspeccionar e estar simplesmente sozinha.
 
Deito-me na minha antiga cama e tento ver televisão. Choque. NÃO VEJO! Literalmente não vejo, as legendas são minúsculas, a minha televisão é para lá de pré-histórica e eu vou fazer 40 anos.
 
Nessa madrugada acordamos, vamos para ao aeroporto com uma larga antecedência: o meu pai é o monarca da pontualidade. Lá andámos a ver souvenirs – umas latas de sardinha giras, queijadas de Sintra, ginginhas e vamos para o gate.
 
Zona de embarque deserta – não me admira, o tuga é sempre aquele atraso de vida…
 
Não, esperem, somos informados que NÓS acabámos de perder o avião.
 
A minha mãe ia tendo um enfarte, que constrangimento alheio meu Deus, o meu pai fica perturbadoramente calado (recriminando-se interiormente), e eu fico traumatizada, a segurar a minha mãe e a pensar no anunciado mega jantar checo prometido pelo meu irmão.
 
Eu sei que ainda eram 7h da manhã, mas só via deliciosos acepipes a passarem em câmara lenta à minha frente. Ainda por cima havia uma enxurrada de gente checa para nos receber em festa, com fanfarra de majoretes e foguetes. QUE VERGONHA.
 
Bilhetes novamente comprados, um dia inteiro no aeroporto (dali já ninguém arrancava o meu lastimoso pai), ar miserável e às 19h embarcamos finalmente, rumo à Áustria.
 
Eu choro sempre nas descolagens e aterragens, e também vou boa parte do caminho em soluços entrecortados. Sim, faço parte do gang de gente estranha que não percebe que, estatisticamente, é mais provável morrer num acidente de carro do que de avião, pois este é MUITO MAIS SEGURO. É super seguro enquanto TUDO ESTIVER BEM com as rodinhas lá no ar, gaivotas distantes, os motores sem chamas, trem de aterragens com os fusíveis todos.
 
MAS, se acontecer alguma coisa, TENHO ZERO DE PROBABILIDADE DE NÃO MORRER, dá para perceber a diferença? Peço perdão se tenho o meu instinto de sobrevivência astronomicamente alto.
 
Choradeira voo todo, encostada a uma compreensiva alemã (os meus pais ficaram mais à frente, a fingirem que não me conheciam) – a minha mãe ainda olhava para trás de vez em quando para se rir, e depois cochichava com o meu pai e hilariavam-se para ali os dois. Sem ressentimentos. Aterrámos em Viena. Alugámos um carro e dois alertas sérios do funcionário do rent a car:
 
1.º Comprar a vinheta da auto-estrada na Republica Checa, logo na PRIMEIRA estação de serviço depois da fronteira. Coimas severas.
 
2.º- Aconselhável seguro extra, contra mossas no carro. Ri-me. O meu pai é anti-seguros, é um perfeccionista. Se é para conduzir, não só é para NÃO TER acidentes, como também ANTECIPAR AS ESTUPIDEZES dos outros
condutores e evitá-los, sem que eles mesmos se apercebam. (Acho que os elementos clássicos da Natureza ou causas fortuitas não contam para o meu pai).
     
 
Apesar de advertido do  IMENSO GELO existente nas estradas em pleno Janeiro, o meu pai é um homem prudente, mas confiante. Faz ponto de honra em não ter seguro suplementar. Então fica estipulado que cada mossa no carro serão 800€. Fair enough seus lambões, pensou o meu pai.
 
E lá vamos nós no carro, todos pipocas com destino a ZLIN, na República Checa. O meu pai liga logo o seu GPS, todo fancy e infalível, e pede que o
co-pilote. A minha mãe estava ao lado dele, mas costuma atrapalhar mais que ajudar, por isso ele nem se deu ao trabalho de perguntar. (Digamos que eu ao pé da minha mãe sou um poço de serenidade, eficiência e atenção. Sim, é grave a esse nível – mas tem muitas qualidades, verão quais).
 
Lá vamos nós seguindo criteriosamente o GPS, o meu pai fez apenas uma vez o percurso Viena- Zlin, no carro do meu irmão, mas até reconhece alguns lugares, tudo jóia, o mundo é lindo.
 
Já eram 11h noite (ó jantar faustoso… cobicei-te tanto). Andámos, andámos, a porra da fronteira nunca mais chegava, a auto-estrada era lastimável. Andámos mais uns 45 minutos e finalmente passámos o que parecia ser uma zona limítrofe do pós-guerra. Fronteira?… Invulgar, no mínimo.
 
Pareceu-me ver polícias uniformizados, mas depois constatei que os funcionários do serviço do lixo também tinham uma farpela parecida. Ainda hoje não sei o que eram.
 
Uns camiões atravessados no que me parecia ser uma berma, roulottes
de churros (fome, fome). Continuámos, um ambiente algo seboso, rodeados por umazona florestal sombria, pouquíssima iluminação, estrada mal alcatroada.
Estranho. Uns metros à frente, eis a estação de serviço onde teríamos que comprar a vinheta da auto-estrada checa.
 
Saio eu e o meu pai. Piso solo checo e só quero pedir desesperadamente um hamburger. Entramos numa estação de serviço completamente às moscas, com 4 metros quadrados. Escura, com um cheiro estranho. Já vi cenários de thrillers  BEM MAIS AMISTOSOS que este.
 
O meu pai aborda a funcionária, uma senhora muito simpática mas muito mal-parecida e,  por entre gestos, numa sinalética adorável diz, friccionando polegar e indicador: “want to buy” e faz um quadrado com as mãos (vinheta), aponta para o chão e diz “Czech” e finge que conduz um volante.
 
Ela reage estranhamente. Acho que pensa que É UM ASSALTO. Realmente ele foi muito expressivo. Não me choca ele ter-lhe transmitido gestualmente: dá-me todo o teu dinheiro, senão ponho-te num caixão
e enterro-te no subsolo checo e fujo a sete pés no meu carro.
 
Então a senhora diz, apontando também
para o chão: NO, NO CZECH!
 
Eu e meu pai entreolhámo-nos. Dirijo-me a ela com um mau pressentimento.
– NO CZECH?
 
– NO! – respondeu  -NO CZECH! Aponta novamente para o chão e grita: SLOVENSKO!
 
Viro-me para o meu pai. – Slovensko? Em que sentido?!
 
– Slovensko no sentido de: ESLOVÁQUIA! Estamos no PAÍS ERRADO!
 
 
Ó C´UM C…! Instinto de sobrevivência reage instantaneamente. Atenção: NADA CONTRA eslovacos/eslovaquienses:
 
MAS EU VI A MERDA DO FILME HOSTEL! NÃO ME LIXEM!! VAMOS MORRER TODOS!
 
 (ok, óbvio que sobrevivi para contar a história. Mas com que custo?)
 
FIM DA I PARTE
 
 
O meu irmão foi pai, em Janeiro de 2020. Sim, choque. Para quem foi acompanhando o blogue, eu sei … ele era apenas uma criança estúpida presa no corpo de um rapaz feio, mas realmente cresceu e já tem 35 anos. Há uns anos enamorou-se de uma checa, foi viver para aquele país que, aos olhos dele, é simplesmente soberbo. Adiante.
 
Eu e os meus pais marcámos viagem para Viena, aeroporto equidistante do de Praga, mas mais económico. Com relutância, lá marco para 3 dias após a data prevista para o parto. Por mim teria ido logo às 38 semanas, para a apanhar ainda grávida que nem um pote e assistir a tudo desde o início, com um baldezinho médio de pipocas.
 
O voo era às 7h30 da manhã, por isso na noite anterior vou para casa dos meus pais. Ahh que bom regressar ao meu antigo quarto, longe de casa, sem
guerras para mediar e casas de banho para inspeccionar e estar simplesmente sozinha. Deito-me na minha antiga cama e tento ver televisão. Choque. NÃO VEJO! Literalmente não vejo, as legendas são minúsculas, a minha televisão é para lá de pré-histórica e eu vou fazer 40 anos.
 
Nessa madrugada acordamos, vamos para ao aeroporto com uma larga antecedência: o meu pai é o monarca da pontualidade. Lá andámos a ver souvenirs – umas latas de sardinha giras, queijadas de Sintra, ginginhas e vamos para o gate. Zona de embarque deserta – não me admira, o tuga é sempre aquele atraso de vida… Não, esperem, somos informados que NÓS acabámos de perder o avião.
 
A minha mãe ia tendo um enfarte, que constrangimento alheio meu Deus, o meu pai fica perturbadoramente calado (recriminando-se interiormente), e eu fico traumatizada, a segurar a minha mãe e a pensar no anunciado mega jantar checo prometido pelo meu irmão. Eu sei que ainda eram 7h da manhã, mas só via deliciosos acepipes a passarem em câmara lenta à minha frente. Ainda por cima havia uma enxurrada de gente checa para nos receber em festa, com fanfarra de majoretes e foguetes. QUE VERGONHA.
 
Bilhetes novamente comprados, um dia inteiro no aeroporto (dali já ninguém arrancava o meu lastimoso pai), ar miserável e às 19h embarcamos finalmente, rumo à Áustria. Eu choro sempre nas descolagens e aterragens, e também vou boa parte do caminho em soluços entrecortados. Sim, faço parte do gang de gente estranha que não percebe que, estatisticamente, é mais provável morrer num acidente de carro do que de avião, pois este é MUITO MAIS SEGURO. É super seguro enquanto TUDO ESTIVER BEM com as rodinhas lá no ar, gaivotas distantes, os motores sem chamas, trem de aterragens com os fusíveis todos.
 
MAS, se acontecer alguma coisa, TENHO ZERO DE PROBABILIDADE DE NÃO MORRER, dá para perceber a diferença? Peço perdão se tenho o meu instinto de sobrevivência astronomicamente alto. Choradeira voo todo, encostada a uma compreensiva alemã (os meus pais ficaram mais à frente, a fingirem que não me conheciam) – a minha mãe ainda olhava para trás de vez em quando para se rir, e depois cochichava com o meu pai e hilariavam-se para ali os dois. Sem ressentimentos. Aterrámos em Viena. Alugámos um carro e dois alertas sérios do funcionário do rent a car:
 
1.º Comprar a vinheta da auto-estrada na Republica Checa, logo na PRIMEIRA estação de serviço depois da fronteira. Coimas severas.
 
2.º- Aconselhável seguro extra, contra mossas no carro. Ri-me. O meu pai é anti-seguros, é um perfeccionista. Se é para conduzir, não só é para NÃO TER acidentes, como também ANTECIPAR AS ESTUPIDEZES dos outros
condutores e evitá-los, sem que eles mesmos se apercebam. (Acho que os elementos clássicos da Natureza ou causas fortuitas não contam para o meu pai).
     
 
Apesar de advertido do  IMENSO GELO existente nas estradas em pleno Janeiro, o meu pai é um homem prudente, mas confiante. Faz ponto de honra em não ter seguro suplementar. Então fica estipulado que cada mossa no carro serão 800€. Fair enough seus lambões, pensou o meu pai. E lá vamos nós no carro, todos pipocas com destino a ZLIN, na República Checa. O meu pai liga logo o seu GPS, todo fancy e infalível, e pede que o co-pilote. A minha mãe estava ao lado dele, mas costuma atrapalhar mais que ajudar, por isso ele nem se deu ao trabalho de perguntar. (Digamos que eu ao pé da minha mãe sou um poço de serenidade, eficiência e atenção. Sim, é grave a esse nível – mas tem muitas qualidades, verão quais).
 
Lá vamos nós seguindo criteriosamente o GPS, o meu pai fez apenas uma vez o percurso Viena- Zlin, no carro do meu irmão, mas até reconhece alguns lugares, tudo jóia, o mundo é lindo. Já eram 11h noite (ó jantar faustoso… cobicei-te tanto). Andámos, andámos, a porra da fronteira nunca mais chegava, a auto-estrada era lastimável. Andámos mais uns 45 minutos e finalmente passámos o que parecia ser uma zona limítrofe do pós-guerra. Fronteira?… Invulgar, no mínimo.
 
Pareceu-me ver polícias uniformizados, mas depois constatei que os funcionários do serviço do lixo também tinham uma farpela parecida. Ainda hoje não sei o que eram. Uns camiões atravessados no que me parecia ser uma berma, roulottes de churros (fome, fome). Continuámos, um ambiente algo seboso, rodeados por uma zona florestal sombria, pouquíssima iluminação, estrada mal alcatroada. Estranho. Uns metros à frente, eis a estação de serviço onde teríamos que comprar a vinheta da auto-estrada checa.
 
Saio eu e o meu pai. Piso solo checo e só quero pedir desesperadamente um hamburger. Entramos numa estação de serviço completamente às moscas, com 4 metros quadrados. Escura, com um cheiro estranho. Já vi cenários de thrillers  BEM MAIS AMISTOSOS que este.
 
O meu pai aborda a funcionária, uma senhora muito simpática mas muito mal-parecida e,  por entre gestos, numa sinalética adorável diz, friccionando polegar e indicador: “want to buy” e faz um quadrado com as mãos (vinheta), aponta para o chão e diz “Czech” e finge que conduz um volante.
 
Ela reage estranhamente. Acho que pensa que É UM ASSALTO. Realmente ele foi muito expressivo. Não me choca ele ter-lhe transmitido gestualmente: dá-me todo o teu dinheiro, senão ponho-te num caixão
e enterro-te no subsolo checo e fujo a sete pés no meu carro.
 
Então a senhora diz, apontando também
para o chão: NO, NO CZECH!
 
Eu e meu pai entreolhámo-nos. Dirijo-me a ela com um mau pressentimento.
– NO CZECH?
 
– NO! – respondeu  -NO CZECH! Aponta novamente para o chão e grita: SLOVENSKO!
 
Viro-me para o meu pai. – Slovensko? Em que sentido?!
 
– Slovensko no sentido de: ESLOVÁQUIA! Estamos no PAÍS ERRADO!
 
 
Ó C´UM C…! Instinto de sobrevivência reage instantaneamente. Atenção: NADA CONTRA eslovacos/eslovaquienses:
 
MAS EU VI A MERDA DO FILME HOSTEL! NÃO ME LIXEM!! VAMOS MORRER TODOS!
 
 (ok, óbvio que sobrevivi para contar a história. Mas com que custo?)
 
FIM DA I PARTE
 
 
Partilha-me toda, eu gosto

6 comentários em “Chéquia: PARTE I

  1. você não lembra do genocidio do Wiriyamu, Mocambique 1972 em tempos modernos?
    e todos os outros genocídios portugueses na África ???

  2. Olá.

    Lembro-me de ter lido o post há bastante tempo, mas agora que reli fiquei com uma dúvida.

    Se eram 7h da manhã e o vôo era às 7:30, como é que perderam o avião?

    Zlin é espectacular, especialmente se tiverem alguém que conheça a história e faça uma visita guiada pela cidade.

    1. Também acho desolador, mas aparentemente para o voo descolar às 7h30, o gate fecha impreterivelmente às 7h; mas se for preciso estão todos do outro lado de lá, numa outra fila (mesmo à tuga), para entrar no avião.

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